Decisões em crimes ambientais

Decisões em crimes ambientais


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL

Agravo de Instrumento nº 2008.002.37250
Agravante: Município de Nova Friburgo
Agravados: Ricardo Alexandre Gomes e Valéria Moreira Gomes
Interessado: Associação dos Moradores do Loteamento Vale do Paraíso
Relator: Des. Elton M. C. Leme
AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOTEAMENTO
IRREGULAR E CLANDESTINO. ÁREA DE MATA
ATLÂNTICA. DETERMINAÇÃO AO MUNICÍPIO PARA A
ADOÇÃO DE MEDIDAS PREVENTIVAS DE
CONSERVAÇÃO. INCONFORMISMO. ARTIGOS 23,
INCISOS VI E VII, E 225, § 1º, INCISOS III, VI E VII DA
CRFB. DEVER SOLIDÁRIO E OBJETIVO DO ENTE
PÚBLICO DE PRESERVAR O MEIO AMBIENTE E
ASSEGURAR A EFETIVIDADE DAS MEDIDAS
CORRESPONDENTES. OMISSÃO CARACTERIZADA.
MULTA PESSOAL COMINADA AO PREFEITO E AO
SECRETÁRIO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE.
POSSIBILIDADE. ART. 14, PARÁGRAFO ÚNICO, IN FINE,
DO CPC. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA NÃO
CONFIGURADO. PRECEDENTES DO STJ. PRAZO PARA O
CUMPRIMENTO DAS DETERMINAÇÕES PROPORCIONAL
AO GRAU DE URGÊNCIA NA ADOÇÃO DE TAIS
MEDIDAS. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. 1. Os
entes públicos têm o dever solidário e objetivo de zelar pelo meio
ambiente ecologicamente equilibrado, na expressão
constitucional, e assegurar a efetividade das medidas que tenham
essa finalidade, podendo valer-se, inclusive, de seu poder-dever
de polícia administrativa para a consecução de tal objetivo.
Inteligência dos artigos 23, incisos VI e VII, e 225, § 1º, incisos
III, VI e VII da Constituição Federal. 2. Em ação civil pública
que versa sobre a proteção do meio ambiente, pode o juiz impor
ao Município autor, diante das peculiaridades do caso, o
cumprimento de providências em favor do meio ambiente da área
objeto da demanda, como medida preventiva do dano ambiental
ou de seu iminente agravamento e objetivando garantir a
efetividade de provimento judicial futuro. 3. Diante da resistência
do Município em cumprir a decisão judicial e caracterizada a
conduta omissiva, impõe-se a aplicação da multa de que trata o
parágrafo único do art. 14 do CPC, que foi concebida exatamente
como instrumento de coerção, motivando as partes e todos
aqueles que de qualquer forma participam do processo, a cumprir
com exatidão os provimentos mandamentais e não criar
embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza
antecipatória ou final. 4. Por isso, constatando-se que o
descumprimento das medidas determinadas pelo Juízo a quo
afeta negativamente o meio ambiente e põe em risco os
ocupantes da área objeto da lide, é legítima, porque legal,
razoável e necessária, a imposição de multas pessoais ao Prefeito
do Município de Nova Friburgo e ao Secretário Municipal de
Meio Ambiente, cuja cobrança se faz do modo especificado na
parte final do parágrafo único do art. 14 do CPC. 5. Entretanto,
conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de
Justiça, uma vez cominada a pena pecuniária, a parte que deixar
de cumprir o comando judicial não comete o crime de
desobediência previsto no art. 330 do Código Penal por
atipicidade de conduta. 6. Prazos fixados no decisum que se
encontram em conformidade com a hipótese versada nos autos,
tendo em conta a urgência na preservação do meio ambiente e a
defesa dos moradores que indevidamente se instalaram no local.
ACÓRDÃO
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Agravo de
Instrumento nº 2009.002.37250, originário da 1ª Vara Cível da Comarca de
Nova Friburgo, julgado na sessão de 06/05/2009, figurando como agravante
Município de Nova Friburgo e agravado (1) Ricardo Alexandre Gomes e
agravado (2) Valéria Moreira Gomes e como interessado Associação dos
Moradores do Loteamento Vale do Paraíso.
ACORDAM os Desembargadores que compõem a Décima
Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, dar
provimento parcial ao recurso, nos termos do voto do relator.
ACÓRDÃO apresentado na data da sessão.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Município
de Nova Friburgo em demanda ajuizada em face de Ricardo Alexandre
Gomes e Valéria Moreira Gomes, diante da decisão proferida pelo Juízo da 1ª
Vara Cível da Comarca de Nova Friburgo que, em ação civil pública,
determinou à municipalidade o cumprimento das alíneas a’, b’, c’, d’ e e’ da
decisão de fls. 42-45, sob pena de aplicação de multa pessoal e deflagração do
crime de desobediência da Prefeita e do Secretário de Meio Ambiente, fixando
prazo exíguo para o respectivo cumprimento. Salientou que, conforme
determinado no decisum, a multa deverá recair sobre quem não figura no polo
passivo da demanda, não tendo havido, no entanto, a intimação pessoal da
Prefeita e do Secretário de Meio Ambiente. Afirmou, no mais, que através da
referida demanda pretende o agravante compelir os réus a adotarem as
providências legais para a aprovação de projeto de loteamento empreendido por
estes. Pugnou pela reforma da decisão monocrática.
A fls. 52 foram solicitadas as informações, que foram prestadas
a fls. 55-56.
Decisão a fls. 66, indeferindo o pedido de efeito suspensivo,
tendo em conta que, no âmbito de uma análise cognitiva sumária, não se
afiguram presentes os requisitos que a autorizam, sendo certo que, no caso dos
autos, há indícios de que a falta de adoção das medidas determinadas pelo Juízo
a quo, a fls. 42-45, possam ser prejudiciais não apenas ao meio ambiente, mas
igualmente aos ocupantes do Loteamento Vale do Paraíso.
Não foram oferecidas contra-razões, conforme se infere dos
AR’s negativos de fls. 63-64.
Parecer da douta Procuradoria de Justiça a fls. 68-71,
manifestando-se pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, somente
para ampliar os prazos e reduzir o valor da multas.
É o relatório.
VOTO
Assiste parcial razão ao agravante, merecendo pequeno reparo a
decisão recorrida.
Inicialmente, destaca-se que a matéria objeto dos autos encontra
amparo constitucional, consoante o disposto nos artigos 23, incisos VI e VII, e
225, § 1º, incisos III, VI e VII da Constituição Federal, que merecem
transcrição:
“Art. 23 - É competência comum da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em
qualquer de suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;”
“Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao
Poder Público:
(...)
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços
territoriais e seus componentes a serem especialmente
protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente
através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou
atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade;
(...)
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as
práticas que coloquem em risco sua função ecológica,
provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a
crueldade”.
Depreende-se da interpretação dos aludidos preceitos que os
entes públicos têm o dever solidário e objetivo de proteger o meio ambiente e
assegurar a efetividade das medidas necessárias à sua preservação, podendo
utilizar-se, inclusive, de seu poder-dever de polícia administrativa para a adoção
de tais medidas, em observância aos preceitos legais e regulamentares.
A respeito define Celso Antônio Bandeira de Mello:
(...) pode-se definir a polícia administrativa como a atividade
da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de
condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a
liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora
preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever
de abstenção (“non facere”) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos
interesses sociais consagrados no sistema normativo” (Curso de Direito
Administrativo – 17ª Edição – pág. 733).
No que se refere à responsabilidade do Poder Público, alude-se
ainda, ao seguinte julgado do Tribunal e Justiça do Estado do Rio de Janeiro,
verbis:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS AO MEIO AMBIENTE.
EXTRAÇÃO DE SAIBRO. DEGRADAÇÃO DE ÁREA DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE DA MATA ATLÂNTICA.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA.
DETERMINAÇÃO DE RECUPERAÇÃO DA ÁREA
DEGRADADA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. PROTEÇÃO A
DIREITO FUNDAMENTAL DE TERCEIRA GERAÇÃO.
DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS E
INFRACONSTITUCIONAIS PREVENDO O DEVER DE
RESTAURAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. - Em
relação à matéria ambiental, doutrina e jurisprudência são
pacificas ao afirmar que a responsabilidade pelos danos
causados é solidária e objetiva, podendo se exigir do réu, ainda
que não seja o único causador da degradação, a reparação da
área agredida, independente de culpa. Art. 14, § 1º da Lei
6.938/81.- As provas dos autos são contundentes e demonstram
cabalmente a conduta do réu, seja comissiva, atuando na
extração de material mineral, seja omissiva, permitindo a
atuação de terceiros naquela área. O réu deve responder pelas
agressões causadas à área, caracterizada como de preservação
permanente, uma vez que atuou em lesão ao meio ambiente,
bem protegido constitucionalmente conforme art. 225 da
Constituição Federal de 1988. Violação à dispositivo da Lei
6.938/81 e do Decreto-Federal 750/93. - Inexistência de
violação ao princípio da separação dos poderes. O meio
ambiente saudável é direito fundamental de terceira geração. A
atuação do poder público para assegurar a fruição deste
direito é um dever constitucional, impondo-se também ao
Poder Judiciário a tutela jurisdicional do referido bem.
Alegação de empecilhos orçamentários que importaria em
furtar efetividade às normas de preservação ambiental. -
Manutenção da multa cominatória fixada, que observou os
princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como o
porte do ofensor e a importância do bem tutelado.-
DESPROVIMENTO DO RECURSO”.
No caso dos autos, não obstante tenha sido deferida a liminar
pelo juízo a quo, em 05/07/1996, para determinar aos réus que cessassem
imediatamente a prática de atos de desmatamento na área do imóvel, bem como
qualquer obra relacionada com o loteamento, ou ato de alienação do imóvel, até
a aprovação do respectivo projeto pela Prefeitura (fls. 20), verifica-se que,
passados 12 anos, ou seja, em 12/06/2008, restou constatado, por meio do Auto
de Inspeção de fls. 34-36, que no loteamento existe, atualmente, grande
aglomeração urbana, de forma totalmente irregular e clandestina, avançando
pela mata atlântica.
A propósito salienta-se que, ainda que, na hipótese, não se
possa atribuir ao Município-autor a responsabilidade direta e comissiva pelas
ilegalidades constatadas na referida área, certo é que este, na qualidade de ente
público, tem o dever constitucional de proteger e assegurar a efetividade das
medidas necessárias à preservação do meio ambiente. A propósito estabelece a
Lei nº 9.605/1998, “Lei dos Crimes Ambientais”, art. 70, §§ 2º e 3º, verbis:
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda
ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo,
promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
(...)
§ 2º Qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá
dirigir representação às autoridades relacionadas no
parágrafo anterior, para efeito do exercício do seu poder de
polícia.
§ 3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração
ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata,
mediante processo administrativo próprio, sob pena de coresponsabilidade”.
Dessa forma, caracterizada a conduta omissiva da
municipalidade sobre a área de que tratam os autos, impõe-se a manutenção do
decisum de fls. 42-45, alienas a’, b’, c’, d’, e e’, haja vista que, no caso dos
autos, constata-se que a falta de adoção das medidas determinadas pelo Juízo a
quo afiguram-se prejudiciais não apenas ao meio ambiente, mas igualmente aos
ocupantes do Loteamento Vale do Paraíso.
No mais, não assiste razão ao apelante no que se refere às
multas pessoais cominadas ao Prefeito do Município de Nova Friburgo e ao
Secretário Municipal de Meio Ambiente, haja vista que devidamente aplicadas
em consonância com o disposto no art. 14, parágrafo único, in fine, do CPC,
ressaltando-se que a referida multa tem por fim reprimir o ato atentatório à
justiça, caracterizado pelo embaraço à efetivação dos provimentos judiciais.
Sobre o tema, transcreve-se ainda, o seguinte precedente do E.
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
“AGRAVO LEGAL CONTRA DECISÃO DO RELATOR, QUE
APLICA MULTA PESSOAL AO SECRETÁRIO MUNICIPAL
DE SAÚDE, POR DESCUMPRIMENTO DE ORDEM
JUDICIAL. NADA OBSTA A APLICAÇÃO, EM GRAU
RECURSAL, DA SANÇÃO PROCESSUAL CONSTANTE DO
ARTIGO 14, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. NO CASO, NÃO
SE ESTÁ DIANTE DE MEDIDA EXECUTÓRIA, MAS SIM
PUNITIVA. POR OUTRO LADO, EM SE TRATANDO DE
CAUSA CUJO VALOR É ESTIMADO E CUIDANDO-SE DE
DIREITO À VIDA E À SAÚDE, EXSURGE RAZOÁVEL A
FIXAÇÃO DA MULTA NO PATAMAR DE R$50.000,00.
RECURSO DESPROVIDO. (2006.001.35033 – APELAÇÃO -
1ª Ementa - DES. LUIS FELIPE SALOMAO - Julgamento:
01/08/2007 - SEXTA CÂMARA CIVEL)
Outrossim, há que afastar a deflagração do crime de
desobediência no caso de descumprimento da decisão, tendo em conta que,
conforme já pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, uma vez cominada
pena pecuniária para a hipótese de descumprimento de preceito judicial, a parte
que deixar de cumpri-lo não comete o crime previsto no art. 330 do Código
Penal. Nesse sentido:
“HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. AÇÃO
DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA. DETERMINAÇÃO
JUDICIAL. MULTA DIÁRIA. - Em habeas corpus não há
campo para reexame de provas. - Se o juiz comina pena
pecuniária para o descumprimento de preceito judicial, a parte
que desafia tal ameaça não comete o crime de desobediência.
Precedentes”. (HC 37279/MG - HABEAS CORPUS
2004/0107482-7 - Ministro HUMBERTO GOMES DE
BARROS - TERCEIRA TURMA - Data do Julgamento
28/09/2004 - Data da Publicação/Fonte DJ 25/10/2004 p. 334)
“CRIMINAL. HC. DESOBEDIÊNCIA. TRANCAMENTO DA
AÇÃO PENAL. ORDEM JUDICIAL DESCUMPRIDA. PENA
DE MULTA PREVISTA. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
ORDEM CONCEDIDA. I. Hipótese em que o Prefeito
Municipal teria descumprido liminar que determinou que
fossem suspensos todos os atos referentes à licitação pública,
assim como a execução do respectivo contrato com a empresa
vencedora, tendo sido fixada multa diária de R$ 50.000,00 pelo
seu descumprimento. II. Para a configuração do delito de
desobediência não basta apenas o não cumprimento de uma
ordem judicial, sendo indispensável que inexista a previsão de
sanção específica em caso de seu descumprimento.
Precedentes. III. Deve ser cassado o acórdão recorrido para
determinar o trancamento da ação penal, em razão da
atipicidade da conduta imputada ao paciente. IV. Ordem
concedida, nos termos do voto do Relator”. (HC 68144 / MG
HABEAS CORPUS 2006/0221710-3 - Ministro GILSON DIPP
- QUINTA TURMA - Data do Julgamento 24/04/2007 - Data
da Publicação/Fonte DJ 04/06/2007 p. 394)
No mais, não merece prosperar o pedido de dilação do prazo
concedido para a adoção de tais medidas, visto que os prazos fixados no
decisum se encontram em conformidade com a hipótese versada nos autos,
tendo em conta a urgência na preservação do meio ambiente e na defesa dos
moradores que já estão instalados no local.
Por tais fundamentos, voto no sentido de dar parcial
provimento ao recurso para reformar, em parte, a decisão impugnada, apenas
para afastar a caracterização do crime de desobediência no caso de
descumprimento do decisum, mantendo, no mais, a decisão tal como lançada.
Rio de Janeiro, 6 de maio de 2009.
Des. Elton M. C. Leme
Relator
Certificado por DES. ELTON LEME
A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço www.tjrj.jus.br.
Data: 11/05/2009 15:20:33Local: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Processo: 2008.002.37250 - Tot. Pag.: 13



















ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
7a Câmara Cível
Apelação nº 2008.001.55583
Apelante 1: MUNICÍPIO DE ANGRA DOS REIS
Apelante 2: CEZI DOS SANTOS
Apelados: Os Mesmos
Relator: Des. RICARDO COUTO DE CASTRO
APELAÇÃO. AÇÃO DEMOLITÓRIA
CUMULADA COM PEDIDO DE
CONDENAÇÃO POR DANOS AMBIENTAIS.
I – Prova pericial afirmativa da lesão ao meio
ambiente em decorrência da construção de rancho
sobre área não edificante. Danos materiais que
podem ser arbitrados em fase de liquidação de
sentença. Precedentes. Quantum debeatur que,
todavia, deve ater-se aos parâmetros da
razoabilidade e proporcionalidade, ante o
diminuto dano ainda presente no ecossistema local
II – Lesão ambiental que se protrai no tempo,
trazendo a imprescritibilidade.
III – O dano moral ambiental, embora passível de
reconhecimento, conforme orientação
jurisprudencial dominante, não se encontra
presente no caso em tela, já que sequer há notícia
nos autos de prejuízo imaterial eventualmente
sofrido por alguma coletividade próxima.
IV – Recurso do autor conhecido e parcialmente
provido. Recurso do réu conhecido e desprovido.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº
2008.001.55583, em que são apelantes MUNICÍPIO DE ANGRA DOS REIS e CEZI
DOS SANTOS, e apelados OS MESMOS.
ACORDAM os Desembargadores que integram a 7a Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em
2
2
conhecer e dar parcial provimento ao recurso do autor e conhecer e negar provimento
ao recurso do réu, pelas razões que se seguem.
Relatório a fls. 440/441 .
Presentes os requisitos de admissibilidade, passa-se ao mérito.
Cuida-se de ação pelo rito ordinário em que o Município de Angra dos Reis
pleiteia, em face de Cezi dos Santos, a demolição de construção erguida sobre área de
preservação ambiental no interior de imóvel de propriedade deste, bem como a
condenação do mesmo em danos materiais e morais.
Cabe parcial razão ao Município.
No que tange aos danos materiais e morais requeridos, a causa se encontra
madura (art. 515, § 3º, CPC), comportando julgamento por esta 2ª instância, em que
pese a extinção do feito sem resolução de mérito (art. 267, I, c/c art. 295, I) pelo
magistrado a quo.
Com efeito, embora a jurisprudência dominante reconheça a possibilidade
de condenação por danos morais ambientais - quando afetada a incolumidade
psicológica de alguma coletividade ligada ao ecossistema degradado -, não há nestes
autos qualquer evidência de que alguma comunidade próxima à área atingida tenha
sofrido danos de ordem psicológica em razão do das construções impugnadas.
Assim, o único dano que se deve reconhecer – cf. categoricamente
apontado pelo laborioso laudo pericial (fls. 332-335) – é o de natureza material. Seu
quantum debeatur deverá ser definido na fase de liquidação de sentença, conforme
vem admitindo a jurisprudência dominante, abaixo transcrita (grifos nossos):
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL
EXTRACONTRATUAL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS.
PEDIDO CERTO E SENTENÇA ILÍQUIDA. SUPOSTA VIOLAÇÃO DO ART.
459, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. FIXAÇÃO DO
VALOR DA CONDENAÇÃO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA.
POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.
1. O art. 459, paragrafo único, do CPC, deve ser interpretado sistematicamente e
em consonância com o princípio do livre convencimento motivado (art. 131), razão
pela qual o juiz, caso não-convencido da extensão do pedido certo formulado pelo
autor, pode reconhecer-lhe o direito, remetendo as partes à fase de liquidação de
sentença.
2. O réu não tem legitimidade para requerer a nulidade decorrente da nãoobservância
da regra prevista no art. 459, parágrafo único, do CPC, dependendose,
para tanto, da iniciativa do destinatário da norma: o autor. 3. Recurso especial
desprovido” (REsp 797332 / RR - RECURSO ESPECIAL - 2005/0187199-0
3
3
Relator(a) Ministra DENISE ARRUDA (1126) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA
TURMA Data do Julgamento 19/06/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 02/08/2007 p.
360)
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE
INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. FIXAÇÃO. LIQÜIDAÇÃO DE
SENTENÇA. POSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ.
ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 333, I, E 461 DO CPC. NÃOOCORRÊNCIA.
PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.
1. É possível, uma vez observados os critérios definidos no título judicial, a
apuração do valor da indenização por danos materiais na liqüidação de sentença.
2. O agravado comprovou, conforme destacado pelo TRF da 1ª Região, o fato
constitutivo do seu direito à indenização por danos materiais. A reversão dessa
conclusão – ao contrário do que defende o agravante – depende da análise dos
aspectos fáticos da lide (Súmula 7/STJ).3. Agravo regimental desprovido” (AgRg
no Ag 817399 / MG - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
- 2006/0210825-8 Relator(a) Ministra DENISE ARRUDA (1126) Órgão Julgador T1 -
PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento - 24/04/2007 Data da Publicação/Fonte DJ
31/05/2007 p. 364)
“AÇÃO COLETIVA. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. PRODUTOS
TÓXICOS. CONTAMINAÇÃO. ÁGUA. DANOS MORAIS E MATERIAIS.
DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. CARACTERIZAÇÃO.
1 - A quantificação dos danos morais e materiais fica relegada à liquidação de
sentença e, por isso mesmo, não impede a subsunção da espécie à definição legal de
direitos individuais homogêneos, caracterizados por um fato comum, no caso
específico o vazamento de produtos tóxicos e a contaminação da água consumida
pelos associados.
2 - Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a legitimidade ativa ad
causam da recorrente” (REsp 1011463 / PR - RECURSO ESPECIAL -
2007/0285388-2 Relator(a) Ministro FERNANDO GONÇALVES (1107) Órgão
Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 02/10/2008 Data da
Publicação/Fonte DJe 20/10/2008)
“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. L.E.R. ACÓRDÃO
TURMÁRIO QUE RECONHECE A EXISTÊNCIA DE DANOS MATERIAIS.
EMBARGOS DECLARATÓRIOS. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. JUROS
MORATÓRIOS. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. FIXAÇÃO.
I. Determinada a apuração dos danos materiais mediante liquidação de sentença,
inexiste omissão no acórdão turmário, no ponto, apenas decisão que contraria o
interesse da parte autora.
Computados a partir da incapacitação do autor para o trabalho, à razão de 0,5%
ao mês até a vigência do novo Código Civil e, após, na forma do seu art. 406.
III. Verba honorária de 12% sobre o valor da condenação.
IV. Embargos de declaração parcialmente acolhidos”(EDcl no REsp 476409 / MG -
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL - 2002/0145627-0
4
4
Relator(a) Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR (1110) Órgão Julgador T4 -
QUARTA TURMA Data do Julgamento 13/05/2008 Data da Publicação/Fonte DJe
09/06/2008)
Atente-se que o quantum debeatur do referido dano material deverá ater-se
aos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade, ficando restrito aos gastos,
demonstrados em sede de liquidação, com o desfazimento da construção, e
restauração da vegetação local.
Veja-se que no que tange à ordem de demolição da citada construção –
rancho utilizado para a guarda de canoas e acessórios -, aponta o laudo pericial já
aludido (fls. 332-335) no sentido da ilegalidade de sua permanência, pois erguido em
área hoje considerada de proteção ambiental.
Dessa forma, não prospera a irresignação do réu, pois situando-se em área
não edificante – e ainda que construído pelo anterior proprietário do imóvel -, a sua
demolição é de rigor.
Pelo exposto, vota-se no sentido do conhecimento de ambos os recursos
para, no mérito, dar parcial provimento ao do Município autor para impor a reparação
material, na forma preconizada acima, e negar provimento ao do réu.
Rio de Janeiro, 15 de abril de 2009.
DES. RICARDO COUTO DE CASTRO
RELATOR
Certificado por DES. RICARDO COUTO
A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço www.tjrj.jus.br.
Data: 11/05/2009 12:53:54Local: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Processo: 2008.001.55583 - Tot. Pag.: 4










14ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RJ
APELAÇÃO CÍVEL Nº 13790/09
APELANTE: CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO AMERICA MALL
APELADO: FUNDAÇÃO PARQUES E JARDINS DO MUNICÍPIO DO RIO
DE JANEIRO
RELATOR: DESEMBARGADOR JOSÉ CARLOS PAES
APELAÇÃO CÍVEL. MORTE DE ÁRVORES.
AUTO DE INFRAÇÃO. ATO ADMINISTRATIVO.
PRESUNÇÃO RELATIVA DE LEGALIDADE.


1. A assertiva de que o auto de infração é viciado
e merece ser anulado, pois o fiscal autuou
com base em norma derrogada pela lei
9605/98, não vinga, uma vez que a infração
foi cometida e existe previsão legal no art. 49
da lei 9605/98. Assim, a capitulação equivocada
no auto de infração não é suficiente a
anulá-lo, mormente porque o demandante
recorreu administrativamente, se defendendo
dos fatos, não tendo havido qualquer cerceamento
de defesa que se possa imputar à
capitulação equivocada.
2. A Fundação Estadual de Engenharia e
Meio Ambiente (FEEMA) realizou exame em
que constatou a existência de herbicida, que
tem como função exterminar plantas, levando-
as à morte.
3. O argumento de que a obra de alargamento
das pistas laterais da Av. das Américas
poderia ter contribuído para o envenenamento
dos vegetais não prospera, uma vez que,
conforme se verifica das fotos acostadas aos
autos, existem árvores antes e depois do
Condomínio, e apenas na frente deste é que
as árvores não existem mais, sendo razoável
concluir que, se o alargamento da pista afetou
as árvores existentes em frente ao Condomínio,
também afetaria as existentes ao
longo da vizinhança, o que não ocorreu.
2
4. Destaque-se, inclusive, que o apelante,
após passada quase uma década da morte
das árvores, sequer iniciou o replantio a que
se comprometeu, o que denota, no mínimo, a
falta de interesse na existência de árvores
daquele porte em frente à sua entrada, desbancando
todos os argumentos trazidos na
inicial, de que gostava das árvores na frente
de seu estabelecimento diante dos benefícios
de sombra e brisa por elas oferecidas.
5. Presunção iuris tantum de legalidade do
ato administrativo não afastada pelo apelante.
Precedentes do STJ e do TJERJ.
6. Recurso que não segue.
D E C I S Ã O
Trata-se de ação declaratória de nulidade de ato administrativo
movida por Condomínio do Edifício América Mall contra
Fundação Parques e Jardins, alegando ser um conjunto de destinação
exclusivamente comercial, composto de 74 unidades, entre
lojas e salas comerciais, possuindo ainda um estacionamento para
202 automóveis, e, em sua parte externa, possui um parqueamento
que normalmente é utilizado pelos clientes que lá se dirigem, cabendo
nesse espaço aproximadamente quinze veículos estacionados.
Assevera que ao longo de sua calçada, existiam até o final do
ano de 1999, 17 árvores que, além de embelezar todo o conjunto
arquitetônico do Condomínio, serviam para proteger do excessivo
calor os veículos dos clientes, bem como amenizar sobremaneira a
temperatura no interior das guaridas localizadas junto aos acessos
ao shopping.
Aduz que em 16/02/2001 foi surpreendido pelo auto
de infração nº 142028, lavrado por um preposto da ré, a partir de
sua constatação pessoal de que todas as 17 árvores haviam morrido,
em diligência por ele realizada na data de 22 de maio de 2000.
Alega que a imputação da multa ao autor, no estratosférico valor de
R$ 18.700,00, tomou por base única e exclusivamente o fato de ter
3
sido encontrado herbicida no solo, a partir de laudo expedido pela
FEEMA. Afirma que o ato punitivo teve como suporte legal o art.
136, § 16, do Decreto E nº 3800/70, com redação dada pelo Decreto
2578/80, e que o recurso administrativo foi denegado sob o frágil
argumento de ter sido encontrado no solo resquícios de herbicida.
Alega que houve obras na via pública, tendo as árvores sofrido interferências
externas e ambientais, vindo a morrer por contaminação
do solo. Assim, requer a declaração de nulidade do ato administrativo,
com a condenação da Fundação ao pagamento das custas
e honorários advocatícios.
O Juízo a quo, em sentença de fls. 271-274, julgou
improcedente o pedido, mantendo a validade do auto de infração nº
142028, lavrado pela Fundação Parques e Jardins, condenando o
autor no pagamento das custas e honorários advocatícios, no percentual
de 20% sobre o valor atribuído à causa.
I
nconformado, apelou o demandante, a folhas 278-
283, alegando que na época da morte das árvores estavam em pleno
andamento as obras de alargamento das pistas laterais da Av.
das Américas, evento que poderia ter contribuído para envenenamento
dos vegetais, face a gama de produtos químicos lançados no
solo para o asfalto das pistas laterais e que não há comprovação de
que as árvores morreram por culpa do autor. Assim, requer a reforma
da sentença, com a procedência de seu pedido.
Contrarrazões do apelado, a folhas 286-298, prestigiando
a sentença.
Parecer do Ministério Público, a folha 300, opinando
pelo não provimento do recurso.
Relatados. Decide-se.
Conhece-se o recurso, pois tempestivo, presentes os
demais requisitos para a sua admissibilidade.
Sem razão o apelante.
A assertiva de que o auto de infração é viciado e merece
ser anulado, pois o fiscal o autuou baseado em norma derro-
4
gada pela lei 9605/98, não vinga, uma vez que a infração foi cometida,
existindo previsão legal no art. 49 da lei 9605/98, de maneira
que a capitulação equivocada no auto de infração não é suficiente a
anulá-lo, mormente porque o demandante recorreu administrativamente
e teve a oportunidade de se defender dos fatos, não tendo
havido qualquer cerceamento de defesa que se possa imputar à
capitulação equivocada.
A propósito, vale transcrever o seguinte julgado do
Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA.
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO.
EXAME DA LEGALIDADE DA APLICAÇÃO
DE PENA. CABIMENTO. PROCESSO ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR.
1. Compete ao Poder Judiciário examinar a legalidade
do ato administrativo de demissão de servidor público,
bem como do processo administrativo disciplinar que
culminou na aplicação daquela penalidade, o que se
não confunde com o exame do mérito administrativo.
2. O mandado de segurança é ação constitucional de
curso sumário, que exige a comprovação, de plano, do
direito líquido e certo tido como violado, e não admite
dilação probatória.
3. Obediência aos princípios do contraditório e ampla
defesa, de forma a afastar qualquer alegação de
irregularidade formal no processo administrativo
disciplinar em apreço. Precedentes.
4. Recurso ordinário improvido.1
Pois bem. Conforme se verifica de fls. 52, foi realizado
exame pela Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente
(FEEMA) onde se constatou a existência de herbicida, que tem como
função exterminar plantas, levando-as à morte.
O argumento de que a obra de alargamento das pistas
laterais da Av. das Américas poderia ter contribuído para o envenenamento
dos vegetais não prospera, uma vez que, conforme se ve-
1 BRASIL. STJ. Processo RMS 15001/MT. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA
2002/0071716-0. Relator(a) Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Órgão
Julgador SEXTA TURMA, Data do Julgamento 22/11/2007, Data da Publicação/Fonte DJe
30/06/2008, REPDJe 08/09/2008.
5
rifica das fotos de fls. 178-191, existem árvores antes e depois do
Condomínio, e apenas na frente deste é que as árvores não existem
mais, sendo razoável concluir que, se o alargamento da pista
afetou as árvores existentes na frente do Condomínio, também afetaria
as existentes ao longo da vizinhança, o que não ocorreu.
Destaque-se, inclusive, que o apelante, após passada
quase uma década da morte das árvores, sequer iniciou o replantio
a que se comprometeu, como informado a folhas 52-53 e pelas fotos
por ele mesmo acostadas, a folhas 30-33, o que denota, no mínimo,
a falta de interesse na existência de árvores daquele porte em
frente à sua entrada, desbancando todos os argumentos trazidos na
inicial, de que gostava das árvores na frente de seu estabelecimento,
diante dos benefícios de sombra e brisa por elas oferecidas. Ora,
se assim fosse, por que já não iniciou o replantio?
Não bastasse, o autor possui um histórico de danos
àquelas árvores desde 1999, tendo inclusive retirado uma delas
sem autorização, além de fazer a poda danosa em nove árvores, o
que gerou os autos de infração 58768 e 58769 (folhas 55-82), onde
se apurou que a retirada da árvore se deu exclusivamente com o
intuito de facilitar a visualização de dispositivo publicitário.
Quanto ao laudo pericial de folhas 146-202, como
bem afirmado na sentença guerreada, foi realizado três anos após o
perecimento das árvores, sendo imprestável para o deslinde da
controvérsia, não devendo prevalecer sobre aquele realizado pelo
Órgão Municipal, que, mesmo sendo executado 276 dias após a autuação
do Condomínio, conseguiu detectar a presença de herbicida
(folhas 98-99).
Assim, como é cediço, gozam os atos administrativos
de presunção iuris tantum de legalidade, o que, por óbvio pode ser
afastada não tendo, contudo, o apelante, conseguido comprovar a
nulidade do ato administrativo, motivo pelo qual a sentença não será
reformada.
Confiram-se julgados do Superior Tribunal de Justiça
e deste Egrégio Tribunal, onde se afirma a presunção de legalidade
do ato administrativo em que os administrados não conseguiram
ilidir tal presunção, culminando na improcedência de seus pedidos:
6
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – MANDADO
DE SEGURANÇA – LEGITIMIDADE PASSIVA: ATO
DE MINISTROS DE ESTADO – REVOGAÇÃO DO
ATO DE ANISTIA – DECADÊNCIA – LEI 9.784/99 –
AUSÊNCIA DE PROVA.
1. O ato impugnado está consubstanciado em Portaria
Interministerial, assinada pelos Ministros de Estado.
Logo são eles autoridades coatoras, sendo partes legítimas
neste writ.
2. A prova pré-constituída afasta a impropriedade da
ação de segurança, mesmo quando se trata de matéria
complexa.
3. A Lei 9.784/99, ao estabelecer no seu art. 54 o prazo
decadencial de cinco anos para que a Administração
pudesse revogar os seus próprios atos, afastou a indefinição
temporal de que falam as Súmulas 346 e
473/STF.
4. A vigência do dispositivo mencionado, dentro da lógica
interpretativa, tem início a partir da publicação da
Lei 9.784/99, não sendo possível retroagir a norma para
limitar a Administração em relação ao passado,
computando-se o termo inicial a partir da vigência do
diploma legal (1º/02/99).
5. Sendo o ato administrativo impugnado de junho de
2000, inocorreu a decadência na hipótese dos autos.
6. O ato administrativo goza da presunção de legalidade,
que pode ser afastada pelo interessado,
mediante prova.
7. Não demonstrado o erro da Administração, negase
a pretensão de anulação do ato administrativo.
8. Segurança denegada.2
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CANCELAMENTO DE
MULTA COM PEDIDO LIMINAR C/C INDENIZAÇÃO
POR DANOS MORAIS. RITO ORDINÁRIO. INFRAÇÃO
DE TRÂNSITO. MUNICÍPIO DE NOVA IGUAÇÚ.
ANULAÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO E CANCELAMENTO
DE MULTA. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE
E LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. REGULARIDADE
DA NOTIFICAÇÃO DE AUTUAÇÃO
DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO, PORQUANTO PRESENTES
TODOS OS REQUISITOS EXIGIDOS PELO
2 BRASIL. STJ. Processo MS 8843/DF. MANDADO DE SEGURANÇA 2002/0176405-5, Relator(
a) Ministra ELIANA CALMON, Órgão Julgador PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento
14/03/2007, Data da Publicação/Fonte DJ 09/04/2007, p. 218, LEXSTJ vol. 213, p. 16.
7
ART. 281 DO CTB. SENTENÇA QUE SE MANTÉM.
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.3
Por tais fundamentos, conhece-se o recurso e negase
seguimento, com base no art. 557, caput, do CPC.
Rio de Janeiro, 24 de março de 2009.
DESEMBARGADOR JOSÉ CARLOS PAES
RELATOR
3 BRASIL. TJERJ. DÉCIMA CÂMARA CÍVEL – APELAÇÃO 2008.001.55807 - 1ª Ementa. DES.
ROBERTO DE ALMEIDA RIBEIRO - Julgamento: 18/02/2009.
Certificado por DES. JOSE CARLOS PAES
A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço www.tjrj.jus.br.
Data: 24/03/2009 17:45:25Local: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Processo: 2009.001.13790 - Tot. Pag.: 7











ECONOMIA SOLIDÁRIA: Incubadoras Universitárias e Processo
Educativo1
Maria Nezilda Culti2



1. Economia Solidária
Apesar do conceito de Economia Solidária nem sempre ser usado com o mesmo
significado e nome, seu princípio é a idéia da solidariedade em contraste com o
individualismo competitivo que caracteriza a sociedade capitalista. Atualmente utiliza-se
este conceito amplamente no Brasil e em diversos países. Seus empreendimentos
apresentam as seguintes características: são organizações urbanas ou rurais, de produtores,
de consumidores e de crédito, baseadas na livre associação, no trabalho cooperativo, na
autogestão e no processo decisório democrático, em que cada associado representa um
voto. A cooperativa é a forma clássica de organização de um empreendimento da Economia
Solidária.
A Economia Solidária vem se transformando em um eficiente mecanismo gerador
de trabalho e renda. Seus empreendimentos são formados predominantemente por
trabalhadores de segmentos sociais de baixa renda, desempregados ou em via de
desemprego, trabalhadores do mercado informal ou subempregados e pelos empobrecidos.
Esta nova forma de economia que se desenvolve no século XXI tem o
cooperativismo operário como principal antecedente. O cooperativismo operário surgiu
durante o século XIX em reação à Revolução Industrial, era uma tentativa de construir
outra maneira de processar a economia, com base no trabalho associado e na distribuição
eqüitativa do excedente adquirido e não na acumulação individual do dinheiro a partir da
exploração do trabalho do outro. Seus principais pensadores foram: Robert Owen (1771-
1858), Willian King (1786-1865), Charles Fourier (1772-1837), Philippe Buchez (1796-
1865) e Louis Blanc (1812-1882).
O cooperativismo preocupa-se com o aprimoramento do ser humano nas suas
dimensões econômicas, sociais e culturais. É um sistema de cooperação que historicamente
aparece junto com o capitalismo, mas é reconhecido como um sistema mais adequado,
participativo, democrático e mais justo para atender às necessidades e aos interesses
específicos dos trabalhadores.
Hoje, com a precarização e exclusão do mercado formal de trabalho de grandes
contingentes populacionais em função das novas tecnologias e das políticas neoliberais,
para gerar trabalho e renda os trabalhadores buscam se organizar em associações,
1 Texto atualizado para publicação na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), antes publicado na
Revista PROPOSTA, Publicação da FASE, Jan/Mar – 2007, ano 31, nº 111.
2 Professora Doutora no Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) – Estado
do Paraná, integrante do Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES) e Coordenadora Geral do
Programa Nacional de Economia Solidária e Desenvolvimento Sustentável da Rede Interuniversitária de
Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (UNITRABALHO). E-mail: nezilda@terra.com.br
cooperativas, clubes de troca ou redes não monetárias, empreendimentos autogeridos e
familiares.
Ao analisar os resultados da pesquisa realizada em nove Estados brasileiros,
GAIGER (2004: 371-402)3 chama atenção para a diversidade de caminhos e soluções que
estão expressos na economia solidária e para as opções teórico-conceituais “ligeiramente
diferentes” adotadas pelos pesquisadores e diferentes autores4. Porém, em suas constatações
históricas sobre a economia solidária e as marcas que ela deixou ou pode vir a deixar no
desenvolvimento atual e futuro da sociedade brasileira, Gaiger deduz que a existência de
empreendimentos econômicos solidários nada tem de corriqueira, trivial e, tampouco, é um
reflexo previsível diante da crise do mercado de trabalho.
A pesquisa demonstra que a adoção de iniciativas de trabalhos cooperativos pode
advir de objetivos despretensiosos, mas responde, através da própria associação das
pessoas, a necessidades de proteção contra o rolo compressor dos grandes poderes
econômicos. As razões isoladas ou conjugadas que levam ao surgimento dos
empreendimentos apontam para algumas circunstâncias como: a presença de setores ou a
existência de organizações e lideranças populares com experiência em práticas associativas,
comunitárias ou de classe; chances favoráveis para práticas econômicas associativas
compatíveis com a economia popular dos trabalhadores; presença de entidades e grupos de
mediação (apoiadores, assessores etc.) aptos a canalizar as demandas dos trabalhadores
para alternativas associativas e autogestionárias; a incidência concreta sobre os
trabalhadores dos efeitos da redução do emprego e a formação de um cenário político que
reconhece a relevância das demandas sociais, oriundas de longo caminho já percorrido e
que coloca a economia solidária em debate na sociedade.
Observa-se, portanto, a ocorrência da formação de sujeitos populares ativos e
organizados, na qual se misturam necessidades e vontades, em que se “conhece poucos
atalhos... e muitos desvios”, mas na qual, também, a escolha consciente do solidarismo,
quando reafirmada diante de outras opções, “passa a ser o principal motor do
empreendimento, a razão mesma pela qual não sucumbe às dificuldades de permanecer
autogestionário e cooperativo” ou visto de outro modo, “não se rende às comodidades de
3
Reflexões feitas a partir de um levantamento amplo e inédito da economia solidária no Brasil realizado pela
Rede Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (UNITRABALHO), no período de 1999-
2003, em nove Estados brasileiros (SP, MG, DF, RS, CE, SC, PE e PA), coordenado pelo Prof. Luiz Inácio
Gaiger, com os resultados publicados integralmente em 2004 no livro: Sentidos e Experiências da Economia
Solidária no Brasil, organizado por Gaiger e publicado pela editora UFRGS, em 2004.
Essa primeira pesquisa de base nacional sobre o tema buscou fazer uma reconstrução histórica da economia
solidária nos Estados pesquisados, bem como a descrição do perfil dos empreendimentos e as condições de
formação e de crescimento. O conceito utilizado como parâmetro de referência para identificar os
empreendimentos girou em torno de oito princípios, que estariam internalizados na compreensão e na prática
das experiências associativas: autogestão, democracia, participação, igualitarismo, cooperação, autosustentação,
desenvolvimento humano e responsabilidade social.
4 Entre os autores podemos citar: Luiz Razeto (Chile), José Luiz Coraggio (Argentina), Aníbal Quijano
(Peru), Orlando Nuñez Soto (Nicarágua). Uma síntese da discussão de cada um pode ser vista no texto:
“Dimensões da luta política nas práticas de economia solidária”, de Gabriela Cavalcanti Cunha, publicado no
livro, Uma Outra Economia é Possível: Paul Singer e a Economia Solidária, organizado pela mesma, André
Ricardo de Souza e Regina Yoneko Dakuzaku, 2003, Editora Contexto.
retornar às formas de vida econômica praticadas anteriormente, nas quais os laços
solidários ficam mitigados ou dissolvidos” (op.cit, p.379).
É conveniente distinguir, de modo geral e em cada situação particular, os diferentes
fatores que intervêm e favorecem o surgimento dos empreendimentos econômicos
solidários. De um lado, existem FORÇAS NEGATIVAS – mudanças objetivas que
eliminam as opções de vida econômica habituais dos trabalhadores, às quais podem somarse
ainda razões subjetivas, que os levam a rejeitar as soluções habituais e somente suportálas
na falta de outras. De outro, existem FORÇAS POSITIVAS que favorecem a adesão
dos trabalhadores às propostas associativas em razão das vantagens materiais que
apresentam ou porque formam e sedimentam convicções subjetivas, fortalecendo o futuro
dos empreendimentos diante de adversidades, expandindo seu efeito irradiador e
multiplicador. Quando há a presença do agente externo (apoiadores, parceiros, assessorias
etc.) ela é apenas uma variável a mais, visto que antes deve ter entrado em cena um
conjunto de situações que levam os trabalhadores a buscar outros caminhos, seja porque os
convencionais diminuem ou porque se tornam menos aceitos ou mesmo por convicção
formada ao longo do tempo.
As iniciativas de geração de trabalho e renda que têm como base a forma solidária e
associativa têm se multiplicado em todo o território nacional chamando atenção de setores
da sociedade civil, do poder público e de entidades de classe. Simultaneamente vão sendo
criadas organizações que se colocam como apoiadoras, parceiras ou agregadoras dessas
iniciativas. Em 2001, se formou o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) no seio
do Fórum Social Mundial, para ser um interlocutor junto ao Governo Federal e outras
instâncias. No ano de 2003, a economia solidária ganha destaque quando assistimos
também à criação, em âmbito Federal de Governo, da Secretaria Nacional de Economia
Solidária (SENAES), visando formular e articular políticas de fomento à economia
solidária, o que denota ter havido múltiplas práticas desenvolvidas nas últimas décadas. Em
2004, também foi criada a União e Solidariedade das Cooperativas e Empreendimentos de
Economia Solidária do Brasil – UNISOL Brasil5–, para representar os empreendimentos da
economia solidária. É mais um salto que faz aumentar a visibilidade e propicia a articulação
e conseqüente fortalecimento da economia solidária.
A Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) do Ministério de Trabalho
e Emprego com apoio do Fórum Brasileiro de Economia Solidária está realizando o
mapeamento da economia solidária no Brasil. O Sistema Nacional de Informações em
Economia Solidária — SIES já dispõe de alguns resultados parciais.
O sistema levanta informações dos Empreendimentos de Economia Solidária – EES
e das entidades de apoio, assessorias e fomento. As informações parciais indicam que
existem6 no total 14.954 empreendimentos cadastrados, destes, 6.549 no Nordeste, 2.592 no
Sul, 1.884 no Norte, 2.144 no Sudeste e 1.785 no Centro Oeste do país. Ou seja, quase a
metade (44,0%) deles localiza-se no Nordeste, em segundo lugar está o Sul (17,0%) e em
5 UNISOL Brasil, criada no final de 2004, é constituída e dirigida pelos sócios-trabalhadores das cooperativas
e empreendimentos filiados e tem por finalidade organizar, representar e articular nacionalmente as
cooperativas, associações e outros empreendimentos autogestionários da economia solidária, resgatando e
provendo a intercooperação, a igualdade social e econômica, a dignidade humana e o desenvolvimento
sustentável.
6 Dados extraídos do Atlas da Economia Solidária no Brasil – 2005. Brasília: MTE, SENAES, 2006.
terceiro e quarto, o Sudeste (14,0%) e o Norte (13,0%). Os dados também indicam que
mais da metade dos empreendimentos (54,0%) está organizada na forma de associações,
33,0% são grupos informais, 11% cooperativas e 2,0% distribuídos entre empresas
autogestionárias, redes/centrais e outras formas. Segundo os registros, a atividade
econômica desses empreendimentos é muito variada, mas predomina as ligadas à
agropecuária, extrativismo e pesca (42,0%), seguida das de produção de alimentos e
bebidas (18,3%) e diversos produtos artesanais (13,9%). A metade desses empreendimentos
atua exclusivamente na área rural, 33% exclusivamente na área urbana e 17% têm atuação
tanto na área rural como na área urbana. Considerando as regiões, cabe destacar que no
Sudeste a maioria (60%) atua na área urbana. Já nas regiões Norte e Nordeste a participação
dos empreendimentos que atuam exclusivamente na área rural (57% e 63%
respectivamente) está acima da média nacional que é de 50%.
Estão associados nos empreendimentos econômicos solidários mais de 1 milhão e
250 mil homens e mulheres, resultando numa média de 84 participantes por
empreendimento. Quanto à composição social dos empreendimentos verifica-se que 73,0%
são formados por homens e mulheres, 16,0% somente por mulheres e 11% formados
somente por homens.
Apenas 60% dos empreendimentos prestaram informações a respeito da
remuneração dos seus associados configurando o seguinte quadro: 50% apresentam
remuneração com valor até meio salário mínimo (SM), enquanto que 26,1% têm uma
remuneração de meio a um SM e em torno de 20% recebem de 1 a 2 SM, sendo que os
demais ficam entre 2 a 5 SM e mais de 5 SM. Considerando a situação regional, o Sul
apresenta uma participação proporcionalmente menor em relação à média nacional nas
faixas inferiores de renda, o contrário ocorre na região Nordeste.
Com relação à comercialização, os produtos e serviços são destinados
predominantemente aos espaços locais. As indicações são de que 56% vendem no comércio
local comunitário, 50% em mercados/comércios municipais, 7% têm como destino de seus
produtos o território nacional e apenas 2% realizam transações com outros paises. Portanto,
depreende-se dos dados a importância desses empreendimentos para o desenvolvimento
local sustentável.
Para fomentar o desenvolvimento local integrado e sustentável, os instrumentos
necessários são: capital social local, instituições democráticas, fortes laços de cooperação e
confiança entre os agentes locais, processo contínuo de inovação endógena e estratégias
produtivas adequadas às condições locais ou do território. O desenvolvimento endógeno
deve promover, a partir dos recursos, das potencialidades e dos agentes locais, o
fortalecimento da economia e da sociedade local.
É interessante notar que a economia solidária se utiliza, em grande medida, dos
mesmos instrumentos. Além do desenvolvimento endógeno e sustentável, na economia
solidária agrega-se o desenvolvimento solidário, pois são iniciativas na qual a autogestão, a
confiança mútua, a cooperação, a democracia, auto-sustentação, o desenvolvimento
humano, a responsabilidade social e o controle social são princípios fundamentais. E a
economia solidária agrega ainda a inclusão social. Contribui também com o
desenvolvimento sustentável, pois é um processo de melhoria da qualidade de vida que
compatibiliza o crescimento econômico, a conservação dos recursos naturais e a igualdade
social, no curto e no longo prazo. Em síntese, as condições para o desenvolvimento local e
para a economia solidária dependem de um desenvolvimento endógeno que possa contar
com capital social fortalecido e que integre e mobilize os produtores por meio de redes
sócio-técnicas de produção, comercialização, informação e formação, bem como outros
atores locais, regionais e estaduais e as próprias políticas públicas em torno da sua autosustentação.
O mapeamento também identificou um total de 1.120 instituições de apoio que
atuam na economia solidária em todo o país. As instituições podem ampliar a dinâmica
social no sentido de aumentar o capital social e produtivo criando novos arranjos
institucionais resultantes da articulação de parcerias com: agências de desenvolvimento (os
IDR); instituições de crédito; centros nacionais e internacionais de desenvolvimento
tecnológicos; Emater; Sebrae; instituições governamentais; instituições nãogovernamentais;
empresas que desenvolvem uma política de responsabilidade social;
órgãos especializados junto às secretarias de planejamento, desenvolvimento econômico,
indústria, comércio e agricultura; conselhos para a gestão integrada das políticas; fóruns
permanentes de debates sobre o desenvolvimento local e economia solidária.
O envolvimento das universidades tem sido importante no apoio às iniciativas da
economia solidária em vista da sua capacidade de pesquisa, extensão e transferência de
tecnologia, portanto, na elaboração teórica e realização de atividades práticas executadas
por meio das ações desenvolvidas nas Incubadoras Universitárias com envolvimento de
professores, pesquisadores, técnicos e acadêmicos. As Incubadoras atendem às demandas
tanto dos trabalhadores diretamente bem como as dos poderes públicos que procuram
parcerias para apoiar a formação de empreendimentos econômicos solidários.
2. Incubadoras universitárias de empreendimentos econômicos solidários
As Incubadoras surgem a partir da demanda crescente de trabalhadores de todo país
que buscam formar empreendimentos econômicos solidários. Desempenham um papel
importante à medida que se tornam espaços de troca de experiências em autogestão e
autodeterminação na consolidação desses empreendimentos e das estratégias para conectar
empreendimentos solidários de produção, serviços, comercialização, financiamento,
consumidores e outras organizações populares que possibilitam um movimento de
realimentação e crescimento conjunto auto-sustentável.
As Incubadoras Universitárias de empreendimentos econômicos solidários
constroem uma tecnologia social cada vez mais utilizada no âmbito das ações de geração de
trabalho e renda. São espaços que agregam professores, pesquisadores, técnicos e
acadêmicos de diversas áreas do conhecimento, bem como programas internos existentes
nas universidades para desenvolverem pesquisas teóricas e empíricas sobre a economia
solidária, além das atividades de incubação de empreendimentos econômicos solidários,
com o objetivo de atender trabalhadores que tencionam organizar seus próprios
empreendimentos sejam cooperativas, associações ou empresas autogestionárias, urbanas
ou rurais.
Podemos destacar nessa área, a Rede Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre
o Trabalho (UNITRABALHO)7. As Incubadoras da Rede UNITRABALHO estão
integradas ao seu Programa Nacional de Economia Solidária e Desenvolvimento
Sustentável e dispõem do apoio de um Grupo de Trabalho (GT) Nacional que traça as
diretrizes do Programa e dá suporte em questões teóricas e práticas. Esse GT é composto
por 06 (seis) professores de universidades agregadas à rede e estão distribuídos nas regiões:
Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sul e Sudeste, visando um atendimento ampliado e mais
próximo em cada região.
As Incubadoras da Rede UNITRABALHO ajudam, na prática, a organizar,
formar/orientar, acompanhar sistematicamente ou oferecer assessorarias pontuais
procurando qualificar técnica e administrativamente as pessoas interessadas em constituir e
melhorar seus EES. Por meio de processo educativo, orientado na participação e no
diálogo, instrui quanto à organização do trabalho, aos aspectos da autogestão, de ordem
jurídica, contábil, financeiro, relações interpessoais e outros aportes necessários. Tem como
principal objetivo promover a geração e consolidação dos empreendimentos de autogestão.
As Incubadoras procuram atuar em estreita articulação com outras Incubadoras da Rede,
visando o intercâmbio de experiências bem como dar visibilidade aos empreendimentos
incubados com vistas à divulgação dos seus produtos e comercialização entre eles. A
parceria com os poderes públicos e com as iniciativas privadas nas localidades onde as
ações são desenvolvidas, tem sido praticada e é muito importante para os empreendimentos
e para o fortalecimento das ações desenvolvidas no processo de incubação.
As Universidades da Rede, por meio de suas Incubadoras, buscam resgatar o
compromisso que, principalmente, a Universidade pública tem para com a sociedade que a
mantém ao disponibilizar para a sociedade o seu saber técnico e científico. Elas têm uma
função relevante, além do ensino e da pesquisa, na medida em que disponibilizam
conhecimentos para uma parte da coletividade que não teve acesso ao ambiente acadêmico
e tampouco ao conhecimento gerado por ela.
O trabalho desenvolvido pelas Incubadoras da Rede UNITRABALHO junto aos
EES incubados tem sido fundamental para a viabilidade e sustentabilidade dos mesmos. A
competitividade no mercado exige que os empreendimentos tenham acesso às informações
e tecnologias que lhes proporcionem eficiência e sustentabilidade. A incubação permite que
eles se fortaleçam, pois vão dispor minimamente de:
1) orientação técnica especializada para a produção, bem como para a autogestão;
2) informações quanto às condições de entrada e permanência no mercado por
meio de estudos específicos, bem como apoio para a inserção em cadeias ou
arranjos produtivos, comércio local, nacional e internacional e
3) formação de centrais de comercialização ou cooperativas de 2º grau.
7 A Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho – UNITRABALHO, criada em
1996, assiste empreendimentos de trabalhadores através dos Núcleos/Incubadoras Locais distribuídos em 40
Universidades em todo o país. A Rede UNITRABALHO como um todo interliga atualmente 90 universidades
e instituições de ensino superior, que se agrupam em sete regionais e seus respectivos Núcleos Locais
multidisciplinares desenvolvendo estudos, pesquisas e extensão sobre o mundo do trabalho.
O processo de incubação permite, desde o início, que sejam feitas análises da
viabilidade econômica dos empreendimentos. Estas análises depois resultam na elaboração
dos Planos de Negócios. Os grupos incubados seguem sendo instrumentalizados sobre o
processo de gestão do próprio empreendimento, sua relação com o mercado e outros pontos
importantes que vão surgindo no decorrer do processo. As Incubadoras Universitárias se
apresentam como uma opção acessível para os trabalhadores que querem começar um EES
e produzir de forma eficiente, com qualidade e competitividade.
3. Processo de incubação como processo educativo
A incubação é um processo prático educativo de organização e acompanhamento
sistêmico a grupos de pessoas interessadas na formação de empreendimentos econômicos
solidários, tendo em vista a necessidade de dar suporte técnico a esses empreendimentos.
Esse processo:
· valoriza o saber acumulado das pessoas e do grupo com vistas à inclusão social e
econômica;
· acrescenta conhecimentos básicos de trabalho cooperativo e técnicas específicas de
produção e gestão administrativa;
· orienta para o mercado e inserção em cadeias produtivas e/ou planos e arranjos
produtivos locais, etc.
Trata-se, portanto, de:
· unir “saber popular” a “saber científico” numa tentativa de transformação da prática
cotidiana inter-relacionando as atividades de ensino, pesquisa e extensão;
· um processo educativo que modifica as circunstâncias, os homens e as mulheres na
sua maneira de ser e agir;
· um processo de construção e reconstrução de conhecimentos para os atores
envolvidos em vários aspectos.
3.1 Princípios norteadores do Processo de Incubação
O conhecimento que se adquire no processo de incubação de empreendimentos
econômicos solidários ocorre por meio de uma ação humana que chamamos de trabalho ou
práxis.
O processo educativo na prática de incubação, implica num conjunto complexo de
atividades de caráter técnico e social orientada por objetivos, o que faz desta prática, uma
atividade conscientemente buscada e orientada a um fim.
A forma pedagógica como característica do processo educativo na pratica de
incubação mediante a qual se adquire os conhecimentos possíveis, parte do percebido para
o não percebido, do imediato para o mediato. Em si mesma a prática pedagógica transforma
os conteúdos e altera a conduta.
A prática de incubação (processo real), onde se dá o processo educativo, é o objeto
do relacionamento entre: saber popular que trazem o trabalhador/educando e o
acadêmico/científico trazido pelos orientadores/educadores. Por outro lado, o processo
prático de incubação, mais que uma troca de saberes, é entendido como um processo de
produção de conhecimento, onde o saber popular e os conceitos teóricos ou conhecimentos
acadêmicos/científicos do orientador, serão utilizados como matéria prima, por ambos
(educador-educando) para a construção do saber popular e científico em saberes aplicáveis
ou mais adequados à natureza do empreendimento e do trabalhador cooperativo.
O processo prático de incubação é muito mais um conjunto de objetivos, que se
detalham em passos e instrumentos, de certa forma, experimentados e produzidos na e pela
prática, que propriamente uma metodologia de incubação.
Em síntese, nossa conceituação de processo prático de incubação admite a
existência de dois saberes, distintos, mas não opostos: o saber popular e o saber
acadêmico/científico, que são trabalhados por meio de uma prática pedagógica
participativa/dialógica, procurando respeitar os limites e tempo de aprendizagem do
educando, ou seja:
a) o saber acadêmico/científico ao entrar em relação com o saber popular deve interagir,
com vistas a construir ou recriar o conhecimento possível;
b) a forma mediante a qual os dois saberes entram em relação deve ser, bidirecional e
participativa, entendida como um construir em conjunto;
c) o processo educativo deve se dar como processo de produção, onde o saber popular se
transforma com os instrumentos do saber acadêmico/científico predeterminado, onde
são respeitados o limite e o tempo do educando para absorção e elaboração dos
conteúdos no processo de produção de conhecimento, que se constrói com erros e
acertos, avanços e recuos;
d) o caráter político dessa ação educativa (pedagógica) deve levar os educadores a
assumi-la como compromisso de aprendizagem, para si e para os trabalhadores
(educandos), de nova organização de trabalho e condição de vida, não se limitando
apenas aos aspectos técnicos do saber, mas também a uma concepção mais
totalizadora da sociedade concreta em que a prática se realiza;
e) a prática pedagógica implica não somente a conhecimento e construção ou
reconstrução de ambos os saberes, mas também a dos sujeitos do processo (educandos
e educadores).
Os resultados podem ser observados tanto naqueles que organizam a incubação
como nos que são incubados. Nas Universidades e suas Incubadoras, os professores,
técnicos e acadêmicos despertam para outra forma de ver o mundo, passam a valorizar e
estimular mais o diálogo, a participação e a autocrítica enquanto educadores e pessoas.
Além disso, esta experiência enriquece e modifica a forma de ensinar, incitando a inter e
multidisciplinaridade que são indispensáveis nesse trabalho coletivo. Também ativa a
associação entre ensino, pesquisa e extensão viabilizando a transferência de conhecimentos
e tecnologias à comunidade.
Na comunidade, os trabalhadores que formam seus empreendimentos, além de
viabilizar trabalho e renda, mudam sua forma de pensar e agir ao mesmo tempo em que se
sentem mais seguros, mais respeitados, fortes ou empoderados para interagir na sociedade
ou comunidade em que vivem. Ao adquirirem o status de cooperados ou associados, com
autonomia para exercer a autogestão, esses trabalhadores ganham visibilidade. Passam a
dispor de cidadania, elevam a auto-estima e resgatam a esperança, além de ter acesso e
adquirir conhecimentos e tecnologias que as universidades, por meio de seus professores,
pesquisadores, técnicos e acadêmicos, podem dispor. Tudo isso leva, indiscutivelmente, à
melhoria na qualidade de vida desses trabalhadores que como eles mesmos relatam, deixam
de ser “invisíveis”.
Por outro lado, percebe-se que esses trabalhadores, apesar das melhorias visíveis de
patrimônio e renda, parecem ter apego relativo aos bens materiais ou ao dinheiro. O que
mais os une são as relações humanas. À primeira vista é um paradoxo, pois carregam
muitos conflitos pelas próprias histórias de vida, considerando que ao longo dos anos cada
um, de modo diferente ou ao seu modo, acumulou seqüelas e bloqueios que afetam o
relacionamento interpessoal e coletivo no trabalho. Estamos falando de uma parcela da
população que traz o peso da exclusão econômica, social, do preconceito e também de
carências como a alfabetização. Todas essas dimensões precisam ser trabalhadas e
superadas. Por isso a importância das Incubadoras Universitárias terem em suas equipes
diversas áreas de conhecimento, além daquelas voltadas para as técnicas organizacionais e
de negócios, tais como: saúde, psicologia, educação, direito, recursos humanos, entre outras
que, nesse sentido, podem trabalhar as questões de conflito, de conhecimento e
reconhecimento de cada um em benefício do relacionamento pessoal, familiar e do trabalho
coletivo, bem como do seu empreendimento, na tentativa de evitar movimentos de
desestabilização.
A economia solidária ainda é um processo em construção, que já avançou muito no
aspecto político, da educação, da formação, da organização, da produção e comercialização,
mas há ainda muitas descobertas a serem feitas e longos caminhos a serem percorridos.
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